Take me back to Brasil - edição #22
O turbilhão de sentimentos que é se despedir do País Tropical
A caminho do portão de embarque do meu vôo, paro em todas as lojas de marcas brasileiras, como se, numa última tentativa, pudesse levar o país e sua cultura comigo. Natura, Farm, Osklen, cachaça, livros em português… Compro A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, o anuário da Casa Vogue e um par de Havaianas, numa tentativa inútil de preencher o vazio que cresce dentro de mim.
Escrevo de dentro do avião, no aeroporto de Guarulhos, esperando o avião decolar de volta para os EUA. Depois de bons meses sem dar as caras por aqui, a vontade de escrever apareceu novamente. Rever minha família e amigos que estão no Brasil despertou automaticamente a minha criatividade e emoções e, consequentemente, a vontade de escrever.
Antes mesmo de eu aterrissar na terra das Havaianas e de o filme ganhar o Oscar, minha mãe e eu já havíamos combinado de assistir Ainda Estou Aqui juntas. Eu tinha visto I’m Still Here em Boston, com direito a legendas em inglês traduzindo expressões brasileiras intraduzíveis, mas achei que valeria a pena assistir novamente com a minha mamis - só pela oportunidade de estar com ela vendo um filme que significa tanto pra nós duas. O que eu não havia percebido era que, além de retratar um pouco da história do Brasil e da família Paiva, o filme também se conectaria com a história de vida da minha mãe, já que ela viveu na época em que a trama se passa. Aprendi com Walter Salles e com a senhora minha mãe.
Em uma das cenas, duas filhas da família Paiva dançam ao som de Je t'aime… moi non plus, de Serge Gainsbourg e Jane Birkin. O que, pra mim, parecia apenas duas adolescentes cantando uma música da época e dançando uma coreografia sedutora, para minha mãe foi a reprodução de uma cena protagonizada por ela e as irmãs. “Eu tinha o compacto. Não lembro onde comprei. Dançava com as tuas tias sem fazer ideia da tradução. Sabia que era uma música sensual, mas não fazíamos ideia da letra, até que um dia o tio Levi, que morou dois anos na França, chegou lá em casa e disse: ‘Leda (minha avó materna)! Essas gurias escutando essa música!’ E aí a mãe deu fim no nosso disco. Acho que quebrou.” Na mesma hora, decido me valer dos avanços tecnológicos que não existiam na época para avaliar a gravidade da censura. Procuro a tradução da música e encontro algumas versões que indicam significados semelhantes. Eis aqui a parte que julgamos mais erótica:
Eu vou
Je vais
Eu vou e volto
Je vais et je viens
Entre os seus quadris
Entre tes reins
Rimos juntas. Imagina se o tio Levi e o pessoal da época escutassem as músicas da Valeska Popozuda.

O segundo aprendizado veio na cena em que a família Paiva se reúne em casa com amigos para se despedir da Veroca, que estava prestes a partir para Londres. É então que Rubens põe pra tocar, na vitrola, um compacto de Juca Chaves, e crianças e adultos iniciam uma coreografia contagiante ao som de Take me Back to Piauí.
“Essa música é um símbolo de resistência durante a ditadura militar. Uma crítica do Juca.”, minha mãe completa. Pesquiso mais sobre isso também e descubro que o cantor comprou uma briga com Jorge Ben Jor ao escrever essa música, numa versão brasileira de Kendrick Lamar versus Drake.
Quando acaba o filme, estamos chorando abraçadas. Não sei se pela história que acabamos de assistir ou pelo fato de que, no dia seguinte, me despedirei dela sem uma data estipulada para nos vermos novamente. Ou talvez os dois. Enquanto a abraço, penso em como sou muito sortuda por estar vivendo aquele momento com ela e me pergunto se teríamos tido essa troca se eu não morasse tão longe. Será que valorizaríamos tanto aquele instante caso ele fosse mais recorrente? Não tenho como saber.
Ir pro Brasil e ter que me despedir de todo mundo é sempre assim - nunca fica mais fácil. Dessa vez, depois de tantos “até logos” e tentativas de desviar o olhar para não chorar, me deparo com um trecho de O Pequeno Príncipe no aeroporto de Floripa:
“Aqueles que passam por nós,
não vão sós, não nos deixam sós.
Deixam um pouco de si,
levam um pouco de nós.”
É incrível o poder da arte. Enquanto eu tentava me esquivar da tristeza das despedidas, as palavras de Antoine de Saint-Exupéry me aguardavam naquela parede. Já li e reli esse trecho inúmeras vezes, mas, dessa vez, me pegou de jeito. Foi o empurrãozinho que eu precisava para trazer à tona todas as minhas emoções.
Me despedir de tantas pessoas que eu amo, quase ao mesmo tempo, dói. Muito. Mas essa frase me fez lembrar que carrego um pouco delas dentro de mim - nas minhas expressões, no jeito de falar, na maneira como me comporto… Assim como elas carregam meu jeitinho. Me resta aproveitar ao máximo o tempo ao lado delas, sempre que possível.
Ivy, que lindo! Fiquei com vontade de chorar. Fui ver I'm Still Here no cineminha independente da minha cidade minúscula com meu melhor amigo gringo. Quando terminou, eu não conseguia falar. A gente foi andando quieto até o estacionamento e ele perguntou: "Você ficou com saudade de casa". Eu tive que desviar o olhar pra não chorar. Ah, e aí ele perguntou se tinha alguma cena que eu achava que dava mais saudade e pra mim foi quando eles estão jantando na casa e a mãe pede o sal pro menino e aponta a mesa, pra ele não passar o sal direto pra ela. Ele, obviamente, não tinha nem percebido. Ser brasileiro é muito cheio de detalhe!
Ah Ivy… eu na sala de espera do consultório, sem querer /poder chorar, mas também sem querer parar de “te ler”…
Feliz por você ter conseguido “sentir o cheiro” dos teus amores e fazer essas emoções aquecerem teu coração. Sempre que vamos para o Brasil, abraço, beijo e cheiro muito minha mãe! Cheiro de mãe é tudo de bom!
Só para não perder o costume: adorei, como sempre! 👏👏👏👏