Oi, gente! Tudo certo?
Passando pela galeria do meu celular, me deparo com essa foto que tirei em janeiro deste ano enquanto estava na sorveteria Dröse decidindo o que ia pedir. Foram inúmeras as idas lá (tanto em Arambaré quanto em Camaquã) desde que me entendo por gente, até esse dia que foi a última oportunidade, quando tinha 31 anos. Porém, dessa vez o letreiro me chamou atenção mais do que no sentido de me ajudar na escolha do sorvete, e, meio sem entender o porquê, tirei a foto rapidamente enquanto meu pai fazia o pedido dele. Depois, pedi um de chocolate branco, conversamos mais um pouco com a atendente que é nossa vizinha e saímos. Meses depois, do de cara com essa foto e começo a entender a razão do registro no meu celular.
Como pode o método de expor os sabores nesse painel plástico branco com letras coloridas ser o mesmo até hoje? Quantas unidades são necessárias ter guardadas para que não faltem letras? Hoje em dia, em outras sorveterias, encontro todo tipo de menu: quadro verde escrito com giz, etiquetas de papel afixadas nos próprios baldes de sorvete, painéis com letras adesivas, painéis digitais e até totens eletrônicos nos quais é possível fazer o pedido sem ter contato com um atendente. Por que será que depois de tantos anos as letras coloridas permanecem na Dröse? Imaginem: é preciso que ao menos uma pessoa selecione as necessárias para formar a palavra, suba em uma escada ou algo do tipo e as afixe no painel. E se acabou determinado sabor? O mesmo ritual para a retirada delas.
Isso me lembrou outras fotos de letreiros que eu tirei aqui nos Estados Unidos e que me chamaram a atenção. Mais ou menos a mesma história do menu da Dröse: passei em frente a eles, fiquei contemplando por algum momento e, sem entender muito bem o porquê, fotografei.
No país onde comprar um sofá novo é mais barato do que mandar consertar o que já se tem, onde adquirir um tênis novo custa menos e é mais rápido do que limpar o velho e onde as últimas invenções tecnológicas parecem surgir primeiro e mais facilmente disponíveis à população, me deparo com esta cena:
Parece que existe uma magia por trás dessas letras e do processo de montar os letreiros. Foi aí que decidi pesquisar um pouco mais sobre a origem delas no Estados Unidos e encontrei a seguinte informação em um website de soluções em sinalização comercial (tradução minha):
As placas “marquee” foram usadas primeiramente por cinemas e teatros. Quando os automóveis chegaram ao mercado e mais e mais pessoas os adquiriram, houve uma necessidade urgente de usar placas que pudessem ser notadas de dentro de carros em movimento nas estradas. Assim, os donos de cinemas adotaram placas chamativas e piscantes. Embora as de marquise tenham forte associação com cinemas e teatros, hotéis e cassinos também passaram a utilizá-las mais tarde em uma tentativa de atrair o tráfego de veículos que por ali transitavam.
[…]
No passado, os letreiros “marquee” eram feitos apenas de vidro e luzes. Ambos os materiais eram facilmente acessíveis aos donos de cinemas e mais baratos do que a maioria dos materiais de construção naquela época.
Parece que nem tudo o que fazemos evolui de acordo com a velocidade da tecnologia, não é mesmo? Ainda bem. Eu diria que a permanência dessas letras pode ser considerada uma obra de arte. Há um significado maior por trás de apenas expor os títulos dos filmes que estão em exibição ou o cardápio de sorvetes. Existe uma relação emocional. Não sei quanto às letras dos cinemas nos Estados Unidos, mas as da Dröse têm um valor sentimental pra mim. Naquele dia em que tirei a foto e me dei conta de que aquelas placas existiam desde que me entendo por gente, me vieram muitas memórias e lembranças de quando ia à sorveteria com a minha família. Meu pai, como sempre, pedia o sabor de leite condensado. Minha mãe variava entre morango e cereja. Meu irmão pedia a famosa gilda (sorvete com refrigerante), e eu me lembro de intercalar entre vários sabores: chiclé, chocolate branco, leite condensado ou morango pra imitar meus pais.
E podia ser tudo uma memória importante apenas para mim, mas um casal de amigos que mora aqui em Boston também – ele de Camaquã, e ela, de Porto Alegre – falou que sempre vai tomar sorvete na Dröse quando está em Camaquã. Pode ser o caso de o sorvete de lá ser muito bom, eu acho, mas já tomei outros tão bons quanto em outros lugares. No caso da Dröse, acho que a preferência vai bem além do sabor, entra na memória da gente. Como deve ser o caso das letras “marquee” dos cinemas e teatros nos Estados Unidos.

Numa rápida busca pelo Google, me deparo com um artigo da Harvard Medical School (em inglês) sobre memória e o impacto da perda dela durante o envelhecimento. O início do texto (aqui inclinada a escrever the very beginning, sem achar uma tradução literal no português1) diz assim:
De muitas maneiras, nossas memórias moldam quem somos. Elas compõem nossas biografias internas — as histórias que contamos a nós mesmos sobre o que fizemos com nossas vidas. Elas nos dizem com quem estamos conectados, quem tocamos durante nossas vidas e quem nos tocou. Em suma, nossas memórias são cruciais para a essência de quem somos como seres humanos.
Isso significa que a perda de memória relacionada à idade pode representar uma perda de si mesmo. Ela também afeta o lado prático da vida, como se locomover pela vizinhança ou lembrar como contatar um ente querido. Não é de se surpreender, então, que preocupações com o declínio das habilidades de pensamento e memória estejam entre os principais medos que as pessoas têm à medida que envelhecem.
E no caso de quem continua com essas memórias, só trocou de “vizinhança”? Comigo, seria de país. Não seria o apagamento delas, porque continuam lá, mas agora por onde eu ando, pelo menos por algum tempo, não vou reconhecer a “vizinhança” e nem me deparar com as pessoas com quem me conectei e tento me conectar com frequência.
Escrever sobre isso fez eu me dar conta de por que às vezes é difícil se mudar para um lugar novo. As minhas memórias estão lá, mas parece que não servem pra nada em um primeiro momento. Tudo é novo e desconhecido. Muitas coisas precisam ser reaprendidas do zero, o que pode se tornar algo difícil. O que acontece com quem eu era? Quem eu serei a partir de agora nesse contexto diferente?
Sigo tentando entender. E vocês?
Notas mentais:
Ir à Dröse na próxima vez que eu estiver em Camaquã e perguntar sobre o letreiro.
Ir no cinema nos EUA, puxar conversa com alguém que trabalhe lá e tentar descobrir como é feito o processo de montar o letreiro dos filmes.
Sempre achei estranho falarem the very beginning. Se eu falar o começo, já se sabe que é o início. Até o momento que comecei a ver necessidade em falar very começo. Precisa especificar gente.
O fato de estarmos na sorveteira e tu estar escrevendo um texto sobre a mesma apenas reforça a conexão que temos. Isto é fruto do nosso amor por ti!!! Realmente aquele letreiro da Drose deixa-nos em uma indecisão: pedir o mesmo sabor de sempre ou experimentar um novo que apareceu no letreiro? Bjs
Ah como eu estava precisando desse texto… obrigada sempre! 💜