Sexta-feira, numa noite de verão, estamos eu e meu marido no apartamento de um casal de amigos que nos convidou para jantar. Logo que chegamos, ele coloca pra reproduzir na TV um canal do YouTube sobre música. Segundo ele, os caras que tocam são muito bons, porém me entretenho na conversa e esqueço de conferir se são bons mesmo. Depois de falar sobre o tempo, férias, viagens… chegamos no tópico Brasil e Estados Unidos. Papo vai, papo vem, eu digo que notei algumas diferenças nos diálogos entre brasileiros e americanos.
“Vocês se expressam de um modo diferente”.
“Diferente como?”
“Parece que fazem uma introdução sobre o assunto pra depois entrar nele. A gente, não. Vai mais direto ao ponto”.
“Como assim?”. Ele deu uma risada sem entender muito o que aquilo significava.
Comecei a assimilar isso depois de alguns anos vivendo aqui. No início, toda aquela introdução e explicação me incomodavam, e eu não sabia o porquê. Qual a graça de comunicar exatamente o que eu tô querendo dizer e não deixar brecha pra imaginação?
Parando pra analisar mais de perto, já que tô escrevendo esse post, me dei conta de que a maioria das amizades que “construí” no Brasil são baseadas na intuição. Falar o que se tá pensando sem pensar muito no porquê e às vezes até nem falar. Só um abraço bem apertado, amigos ou perrengues em comum e estar no mesmo ambiente eram suficientes pra criar um laço.
Tudo fez mais sentido quando me deparei com o Modelo de culturas de alto e baixo contexto, de Edward Hall. Esse conceito basicamente categoriza culturas com base na quantidade de informação transmitida por meio da comunicação verbal explícita em comparação com pistas implícitas, como linguagem corporal. Culturas de "alto contexto" dependem fortemente de pistas não ditas, e as de "baixo contexto" priorizam a comunicação direta, deixando pouco espaço para interpretações.
Segundo o livro da Erin Meyer, The Cultural Map, a classificação de Brasil e Estados Unidos é a seguinte:

Depois de refletir sobre ele e a distância entre Brasil e EUA, tentei imaginar uma interação com uma amiga no Brasil e como eu a converteria para uma interação aqui. (Embora não seja uma regra, já que as pessoas são únicas, independente e dependentemente de onde vivem).
Situação: recebo a notificação de um aplicativo de armazenamento de fotos me mostrando uma imagem de 10 anos atrás com minha amiga e quero compartilhar essa memória com ela.
No Brasil: envio a foto pra ela na mesma hora, sem qualquer introdução, seguida do meme do filme Titanic.
Nos EUA: envio a foto, mas antes escrevo uma introdução e explico a minha intenção ao compartilhá-la. “Oi! Olha a notificação que recebi hoje. Lembra desse dia? Nossa! Faz 10 anos. Tô me sentindo uma velha”. (Aqui tive que usar um pouco de imaginação, porque não tenho amizade com mais de 10 anos nos EUA).
Essa comparação me fez lembrar uma viagem que fiz a uma loja de móveis planejados na companhia de uma moça que conheci por causa do trabalho. Ela é designer de interiores, mas não trabalhava no mesmo escritório que eu, apenas fizemos um projeto em parceria. A loja ficava a mais de 1 hora de distância viajando de carro, e nós fomos no carro dela. Ela era muito gente boa e tinha características que eu vejo nas minhas amigas, porém era a primeira vez que conversávamos, além do “oi” e “tchau” quando nos víamos no escritório. Nos primeiros cinco minutos de conversa, falamos sobre o projeto e sobre meu chefe. Logo depois, ela começou a me falar de como a paisagem era bonita, e eu concordei, porque de fato era.

Logo depois do papo da paisagem, ela disse que estava adorando nosso tempo juntas. “Uma viagem de amigas”, constatou. Eu não sabia o que falar exatamente, mas imagino que minha expressão corporal indicava confusão. Eu tentando entender o que ela queria dizer com “uma viagem de amigas”, e ela articulando com todas as letras e fonemas. Me parece que tínhamos o mesmo objetivo, fazer uma amizade, porém agíamos de maneira tal que nenhuma de nós entendia a intenção da outra. A diferença cultural, de personalidades, criação etc. nos impedia de seguir adiante.
No entanto, esses dias ela me mandou mensagem dizendo que se mudou pra Nova York e que abriu uma loja de decoração. Talvez eu não tenha me saído tão mal naquele começo de amizade, já que ela se sentiu confortável de entrar em contato novamente. Talvez tenha captado um pouco da minha linguagem corporal, porque da minha boca não lembro de sair nada que indicasse que queria uma amizade com ela. O destino nos deu mais uma oportunidade de estreitar essa amizade. A próxima vez que for a NYC, vou passar na loja dela com certeza.
Logo eu, que sou introvertida e às vezes penso que minha testa fala mais que minha boca, vim parar em um país onde, se eu não falar, não existo. A vida nos prega peças.
Além das interações que tive, lembrei do curso pra escrever um romance que tô fazendo com a Carol Bensimon. Em alguma aula (ou em mais de uma), ela sugeriu para não explicarmos tudo o que está acontecendo na história. Segundo a Carol, melhor deixar o leitor perceber o enredo por meio dos diálogos, das descrições do ambiente etc., para o texto não ficar entediante. Afinal de contas, cada um tem uma interpretação diferente dos acontecimentos.
Ao mesmo tempo, o que na arte pode ser um convite à criatividade, na vida real pode causar alguma confusão. Como já mencionei aqui antes, aprender sobre essa nova cultura me beneficiou muito. Esse “baixo contexto” que experimentei com as interações me ensinou a prestar mais atenção no que tô sentindo e nas minhas intenções; afinal, pra eu comunicar a minha vontade, preciso saber qual ela é (i.e. autoconhecimento). Várias foram as vezes que dei pouquíssimo contexto sobre alguma coisa pro meu marido, por exemplo; deixei pra interpretação dele, e a intepretação dele teve quase zero correspondência com a ideia que eu queria passar. Explicar um pouco sobre o que tô sentindo tem suas vantagens.
Esta edição demorou bem mais pra sair por alguns motivos. Um deles é que tô organizando mentalmente tudo o que aprendi nesse curso da Carol pra escrever um romance. Eu amei as aulas, e muitos tópicos estão ecoando aqui na minha cabeça. Inclusive, experimentei começar o texto de hoje de um jeito diferente: narrando um acontecimento e com um diálogo. Depois me contem se gostaram!
Como te conheço, imagino as situações que enfrentas para construíres novas amizades. Mas no teu casamento percebi que elas estão espalhadas pelo mundo, assim como meus afilhados. Como é bom ler teus textos.
Li o livro sobre Getúlio desde antes do nascimento dele até 1930, quando ele se tornou presidente (1930). Já encomendei o próximo de (1930 a 1945). A polarização na política sempre existiu.
Bjs
Interessante... esse é o assunto do momento aqui em casa. Explico-me!
Tenho uma sobrinha que acaba de terminar o curso de Medicina em Harvard e que, este mês, está fazendo um rodízio na Santa Casa de São Paulo. A cada dia, ela se surpreende com a maneira com que os Professores, Residentes e Alunos aqui dedicam o seu tempo para conversar com os pacientes, abraçá-los (e se abraçarem), acolhê-los com palavras e gestos... Nos Estados Unidos - nem melhor nem pior, só diferente - ela testemunha que o procedimento é outro, mais direto e mais frio (se considerarmos as nossas 'temperaturas').