Stille Nacht, Noite Feliz ou Silent Night - edição #20
Minha jornada de tentar descobrir o que é o Natal pra mim
Escrevo esta edição no apartamento que alugo em Brookline/MA, no dia que começa o inverno no hemisfério norte, e o verão, no hemisfério sul. Reflito sobre as vantagens e desvantagens de saber que há um lugar onde neste exato momento o clima é completamente oposto do que estou vivenciando aqui. Comecei a escrever as primeiras ideias de manhã, quando o sol entrava pela minha janela e me fazia crer que estava mais quentinho do que realmente estava na rua. Agora são 16:37 e o sol já se pôs. Boa noite.
Este ano, por motivos de trabalho e falta de férias, não vamos ao Brasil passar o Natal. É a primeira vez que isso acontece desde a pandemia, portanto comecei um trabalho árduo de entender o que essa data representava pra mim e tentar reproduzi-la aqui neste outro hemisfério.
Tirando meu marido, com quem moro aqui nos EUA, toda a minha família está naquele país tropical, e sempre passei essa data lá, na casa dos meus avós. Desde que nasci, até o ano de 2017, eu, meu irmão, meus pais, tios, sobrinhos e agregados passávamos o dia 24 de dezembro na casa dos pais do meu pai. Uma tradição que começava com a janta, seguida de uma celebração. Minha vó preparava todos os anos um texto sobre o ano que passou, a importância da família ou algo do tipo para lermos juntos, e cada um ganhava uma folhinha com a parte destacada que leria em voz alta. Até eu aprender a ler, a Amanda ou a Xênia (minhas primas mais velhas) sussurravam no meu ouvido o que estava escrito e eu repetia em voz alta. No final dessa parte, cantávamos “Noite Feliz”, alguma criança (incluindo eu em alguns anos) entrava carregando o Menino Jesus de cerâmica que minha vó tinha e o colocava embaixo da árvore de Natal. Depois, abraço da paz, amigo secreto, brincadeiras e papai noel com os presentes.

Teve um ano em que meu irmão e meus primos se apresentaram com a banda deles, e em outro ano um brinde foi colocado dentro de “trocentas” caixas superbem lacradas com fita adesiva. Elas passavam de colo em colo, e tentávamos abri-las até que minha avó, que estava em outro cômodo, tocava um sino, e então precisávamos passar a caixa para a próxima pessoa. E pra completar o espetáculo, tudo era filmado. Ou seja, todas essas celebrações estão gravadas para quando quisermos ver. Escrevendo isso, percebo que não aproveitei esses vídeos o suficiente.
Numa conversa com a minha terapeuta sobre entender o que era o Natal pra mim, ela me ajudou a perceber que o importante seria eu contar pra minha vó o quanto essa festa que ela planejava com tanta dedicação foi significativa pra mim. E foi o que fiz. Depois de dois dias enrolando, mandei um áudio pra ela contando que me lembrei de tudo isso e a convidando pra cantar “Noite Feliz” comigo dia 24 por videochamada.
Segunda-feira, acordei, tomei café e, como de costume, fui fazer meu planner semanal numa tentativa de dar conta de tudo que tenho pra fazer. Minha to do list é subdividida em categorias como casa, trabalho, escritora e voluntariado, e há uma tabela com os dias da semana e horários pra eu encaixar essas atividades. Enquanto escrevia, conversava sobre coisas aleatórias com meu marido e ele tomava café e se arrumava pra sair de casa. Quando terminei, recebi uma notificação do Substack, não resisti e abri o app. Foi aí que vi a seguinte nota da Paula:
E aí comentei com meu marido: “no Brasil é clima de Natal desde o início de dezembro, né?! Tá todo mundo pensando nas festas de fim de ano, quem tirou no amigo secreto, ver filmes de Natal… Ninguém tá pensando em concluir tudo o que ainda tem para fazer”. Ele respondeu: “aqui também, eles só fingem que não”. E de repente, como em um passe de mágica, mais um significado do Natal veio à tona: reduzir meu ritmo e ser mais romântica. É como se saber que os outros fazem me dá permissão para fazer também. Tenho que parar com isso.
No início do mês, quebrei a tradição de ir ao mercado junto com meu marido aos sábados. Acabei indo sozinha porque ele estava doente. Entrei no carro e aproveitei aquele momento pra fazer algo que adoro: ouvir música, cantar e dançar. Não precisa ser exatamente dentro do carro. O ponto é que quando escuto uma música que eu gosto, parece que tenho permissão pra deixar de lado o controle sobre tudo que estou fazendo e apenar aproveitar aquele momento. Quando virei a chave, percebi que a rádio que fica sintonizada no carro havia se tornado temporariamente uma rádio de Natal, então decidi deixar ali e comecei a tirar o carro do estacionamento. No caminho para o mercado, as músicas natalinas me animaram um pouco, mas antes de chegar ao destino havia sinais de que algo não estava bem comigo. Entrei no Wegmans, fiz as compras rapidamente e quando voltei para o carro comecei a chorar.
Chegando em casa, meu marido percebeu minha cara de choro e perguntou: “Tudo bem, Luisa?” (Não, você não leu errado e ele não errou meu nome. A pergunta foi baseada neste vídeo).
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Eu ri e chorei ao mesmo tempo, e só fui entender mais tarde que estava chorando por causa das músicas de Natal. Desde então, quando estou com meu marido em algum lugar e começa a tocar uma música natalina, ele me olha de canto de olho pra saber como estou.
Vou passar o Natal longe da companhia de um monte de gente que eu amo, mas tem uma delas que vai estar do meu lado: meu marido. E que companhia.
Há exatamente um ano comecei essa ideia louca de escrever uma newsletter. Difícil dizer exatamente o que me motivou a iniciar, mas era algo como compartilhar e descarregar minhas experiências morando fora pra ver se mais alguém se identificava. E hoje em dia virou muito mais que isso. Cada vez gosto mais de escrever e quero continuar fazendo isso. Obrigada por chegar até aqui comigo!
Feliz Natal!
Abaixo a primeira versão de “Noite Feliz”.
Não queria te escrever sobre isto, mas senti muito tua falta na festa dos afilhados e, por consequência, no nosso Natal. O que me alegra é que em março tu estarás aqui e poderei te abraçar e presentear com um mimo que nós, teus dindos, preparamos com muito amos!!! Feliz Ano Novo!! Que venham muitos Natais e novos anos para nos reencontrarmos sempre!!! Te amo muito!!! Fiques bem, junto do teu amor!!!
Lindos sentimentos os teus! Amei a foto de você criança...
No meu caso, acho que os Natais estão esfriando e, de uma certa forma, com o mundo confuso como está, há pontos de interrogação na minha cabeça sobre como vivenciá-los de fato.
Em todo caso, este ano estou em Portugal, os dias estão ensolarados e lindos, Lisboa magnífica... estou tentando fazer o melhor que posso em dias complexos de doença na família: talvez este seja o verdadeiro Natal!